Bolsonaro recua e veta programa de renegociação de R$ 50 bi de dívidas de micro e pequenas empresas
RIO E BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro recuou e vetou integralmente o Projeto de Lei Complementar nº 46, aprovado pelo Congresso Nacional no fim do ano passado, que instituia o Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp), que permitiria a renegociação de R$ 50 bilhões dívidas para pequenas empresas que se enquadrem nos regimes Simples e Microempreendedor Individual (MEI).
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Publicado no “Diário Oficial da União” (DOU) desta sexta-feira, o veto é justificado por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.
A decisão representa uma vitória do Ministério da Economia e uma reviravolta no posicionamento do presidente, que na noite de quinta-feira, antes do início da transmissão de sua live pelas redes sociais, aparentemente sem saber que estava sendo gravado, demonstrou irritação com o alerta feito pela equipe econômica para que vetasse o projeto de lei.
O dia de ontem foi marcado por idas e vindas. Pela manhã e ao longo, a tendência era o veto total do projeto, como sugeriu o Ministério da Economia.
Após a repercussão negativa desta notícia do veto e da pressão de diversos parlamentares, o cenário mudou e Bolsonaro determinou à Receita Federal encontrar uma saída, como ele próprio indicou na “live” semanal.
A alternativa costurada entre o Palácio do Planalto e o Ministério da Economia era sancionar a lei, vetando apenas o artigo que permitiria que empresas que não tiveram queda de faturamento na pandemia aderissem ao programa.
Integrantes do Ministério da Economia e do Palácio do Planalto confirmaram, sob sigilo, que esta era a tendência por volta das 21h de quinta-feira. Porém, na decisão final sobre a matéria, que teria de ser avaliada pelo presidente até a noite de ontem, a decisão foi outra.
No fim da noite, por volta de 0h, a Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência da República alertou para um outro impedimento legal que levou ao veto, de acordo com integrantes do governo. A SAJ identificou que a Lei Eleitoral impediria a concessão de um benefício neste ano, segundo fontes com conhecimento no assunto.
Um dos paráfrafos do artigo 73 da Lei Eleitoral afirma: “No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”.
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No “DOU”, a justificativa oficial para o veto é que o projeto “incorre em vício de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público” porque, ao instituir o benefício fiscal, implicaria em renúncia de receita. O governo argumenta que isso contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Segundo integrantes do governo, como essa é a justificativa que constava nos sistemas do Palácio do Planalto desde a manhã desta quinta, isso foi o que acabou sendo publicado oficialmente.
O cálculo do Ministério da Economia é que a sanção integral do projeto iria gerar um impacto de cerca de R$ 1,2 bilhão. Com os vetos dos artigos que permitiam o Refis também para empresas que aumentaram faturamento, o impacto iria cair para cerca de R$ 200 milhões.
O Brasil tem hoje 18,9 milhões de microempreendedores individuais e empresas de pequeno ou médio porte, de acordo com dados do Ministério da Economia.
Parcelamento de 15 anos
O programa de parcelamento de dívidas tinha potencial para a renegociação de R$ 50 bilhões que o governo cobra de empreendedores individuais e de micro e pequenas empresas.
O projeto aprovado pelo Congresso permitia o parcelamento da dívida em até 15 anos, com descontos proporcionais à queda do faturamento durante a pandemia de Covid-19, após o pagamento de uma entrada.
A equipe econômica alertou ao Palácio do Planalto que o projeto não apresentava uma compensação financeira, o que seria necessário já que o “Refis” é uma renúncia tributária que precisa ser coberta por outras fontes de recursos, na avaliação da Receita Federal.
Um Microempreendedor Individual tem faturamento anual de até R$ 81 mil. Empresas com faturamento bruto anual de até R$ 4,8 milhões podem fazer parte do Simples Nacional. Ambos os regimes concedem condições simplificadas de pagamentos de tributos.
O veto do presidente será analisado pelo Congresso, que pode mantê-lo ou derrubá-lo. Não há data para isso ocorrer.
Na Câmara, o projeto foi aprovado por 382 votos favoráveis e 10 contrários. No Senado, onde a proposta começou a tramitar, a aprovação ocorreu por votação simbólica.
Alternativa da PGFN
Na tarde de quinta-feira, técnicos do Ministério da Economia prepararam uma alternativa ao veto total do texto: a publicação de uma portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que permitiria algum tipo de parcelamento de impostos às micro e pequenas empresas que sofreram queda de receita durante a pandemia.
Não está claro, contudo, se essa proposta será retomada com este recuo do presidente e veto total à medida. Procurado, o Ministério da Economia ainda não se pronunciou sobre o veto e as alternativas em estudo.
A alternativa estudada seria uma portaria da PGFN estabelecendo a transação tributária para as empresas do Simples impactadas pela crise econômica da Covid-19.
A transação tributária é um mecanismo de negociação dos débitos entre o governo e o contribuinte devedor. Atualmente, essa negociação pode ser feita a partir de uma proposta do contribuinte, pela cobrança de créditos que já foram inscritos na dívida ativa da União, ou por adesão, nos casos de disputa tributária de grande valor.
A intenção é criar uma transação tributária voltada para as empresas que foram impactadas pela Covid-19 e não conseguiram pagar seus débitos junto ao governo. Nesse caso, seria avaliado a queda do faturamento das empresas para definir o total do desconto e o tamanho do parcelamento.
A diferença entre é que a portaria da PGFN permite uma negociação individual, enquanto o refis é coletivo. Além disso, é menos vantajosa para o contribuinte. Não pega dívidas no âmbito da Receita Federal, apenas a dívida ativa, e tende a se um parcelamento menor com uma entrada maior