Agressão a brasileira de 11 anos choca, abre debate e expõe a violência nas escolas públicas de Portugal

Com 11 anos, a estudante brasileira Maria sentiu na pele a violência que a família tentou evitar ao trocar o Rio de Janeiro por Portugal. É a mais recente vítima das crescentes agressões em escolas públicas do país. Com agravante: os golpes foram filmados, veiculados nas TVs portuguesas e compartilhados na velocidade dos socos e pontapés que recebeu de outra aluna.

Brasileira denunciafilho de 7 anos foi agredido por funcionária de escola pública de Portugal

As agressões sofridas na última sexta-feira pela brasileira, reveladas pelo Jornal de Notícias, transmitidas pelas TVs e que tiveram cobertura e análise na imprensa, chocaram e abriram os olhos da sociedade para os episódios de violência em idade cada vez mais precoce, bullying e comportamento das crianças nas redes sociais. E dentro das escolas, consideradas de excelência e que sempre aparecem como um dos motivos que levam famílias brasileiras a Portugal

Houve casos recentes de violência semelhantes com intervalo de menos de trinta dias em diferentes cidades e regiões do país. Em outubro de 2021, a Guarda Nacional Republicana (GNR) relatou 467 crimes nas escolas no ano anterior. Os registros têm vindo a descer, mas não parecem acompanhar a realidade das escolas.

A própria Maria, em áudios enviados ao Portugal Giro pelo WhatsApp da mãe, Antônia Silverlene Melo, revelou qual a frequência dos episódios violentos em sua escola, a Ruy D’Andrade, no Entroncamento, pequena cidade de Santarém onde vive com a família.

— Praticamente todos os dias — disse Maria.

A estudante brasileira chegou a frequentar aulas alguns dias esta semana até parar de ir. Ela contou que está bem, mas sente medo de ir à escola e ser agredida novamente, porque tem recebido a culpa pela dimensão que o episódio ganhou. A família já definiu que Maria será transferida de escola e ainda vai decidir se mudam de cidade.

— Estou bem, graças a Deus. Senti muitos olhares e (fiquei) um pouco mal. As alunas me culparam por minha mãe tentar me proteger e falaram que não deveria ter feito denúncia. Os professores me apoiaram, se preocuparam bastante, mas as alunas continuavam implicando um pouco — contou Maria.

Questionada se sentia medo que a agressão se repetisse, respondeu:

— Sim, tenho medo, sim.

IntimidaçãoMãe de menino brasileiro agredido em Portugal diz que escola pública questiona divulgação do caso

Antônia Silverlene Melo, formada em recursos humanos, natural de Ipueiras (CE), mas que vivia em São Gonçalo (RJ), disse ao Portugal Giro que resolveu prestar queixa à polícia e denunciar para tentar interromper o ciclo cotidiano de violência.

Ela contou que a filha foi agredida duas vezes na última sexta-feira, 4 de fevereiro. Só a primeira foi filmada pelos outros alunos, que não se envolveram, assim como nenhum professor ou funcionário, garantiu a mãe.

Mas o drama de Maria é antigo. Segundo Melo, a menina tem sido perseguida na escola e na internet há alguns anos por ser brasileira e considerada feia pelas amigas. A família está em Portugal desde 2018. Além dos insultos à aparência física, houve xenofobia dentro da escola, garantiu Melo.

— Ela já entrou na turma com problemas anteriores. Diziam que ela era feia, esquisita e mandaram voltar para terra dela. Maria tinha um livro de uma série popular, “Death note”. E as crianças disseram que, por isso, Maria teria o poder de matar todo mundo. A partir daí, minha filha começou a falar com ela mesma que queria morrer e a turma passou a rejeitá-la — declarou Melo.

Rute Agulhas, psicóloga clínica e forense, coautora do livro “Um por todos, todos contra o bullying”, explica que a nacionalidade estrangeira pode ser um alvo de quem pratica bullying nas escolas públicas.

— Qualquer característica que se destaque ou que seja diferente de alguma forma (etnia, nacionalidade, peso, altura ou uma deficiência) aumenta o risco — informou Agulhas ao Portugal Giro. (Leia entevista no fim do texto).

Após consultas com a psicóloga brasileira Cíntia Oliveira, Melo soube que Maria passou a ter um comportamento com tendência à depressão devido ao bullying sofrido na escola e na internet.

— Maria passou a manifestar este comportamento, além de baixa autoestima, desde que veio para Portugal. Fiquei perdida, não sei o que fazer. Mas quero denunciar para não acontecer de novo. Pior que saí do Brasil para fugir da violência e não esperava isso  — disse Melo, que trabalhava no posto de distribuição dos Correios em São Gonçalo e diz ter testemunhado assaltos.

A perseguição continuou fora da escola. No dia do Natal de 2021, Maria recebeu mensagens no WhatsApp de uma aluna, que incitava a brasileira ao suicídio. Em outra mensagem, a agressora virtual dizia que ninguém na turma a amava e todos queriam que morresse.

 

Bullying sofrido no WhatsApp por Maria, que vive em Portugal

 

 

A mãe garante que o diretor da Escola Básica Ruy D’Andrade foi informado e agendou reunião, que seria no dia da agressão, mas não chegou a acontecer.

Na sexta-feira, Maria discutiu com a agressora antes de ser derrubada no chão da escola, durante o intervalo, e receber uma sequência de golpes na cabeça e chutes no corpo. Tudo filmado por pelo menos três estudantes.

— Meu diretor de turma falou para os alunos que não deviam ter gravado e, sim, chamado um responsável — disse Maria.

Procurados, a escola e o agrupamento da qual faz parte não responderam. Mas em resposta à agência Lusa, foi informado que um inquérito está aberto. Ainda segundo a agência, “foi acionada a equipe técnica de psicologia para acompanhamento e apoio à aluna agredida e respectivos encarregados de educação”.

— A minha filha teve contato com a psicóloga uma vez, em janeiro, para tratar de depressão. Depois do episódio, não teve mais contato. Perguntei se a psicóloga conversou com ela, disse que não — rebateu Melo.

Em Portugalfalar ʽbrasileiroʼ na escola é preocupação para os pais e problema para alunos

Entrevista: Rute Agulhas, psicóloga, por e-mail.

Portugal Giro: Por qual motivo crescem as agressões, vide Entrocamento e Matosinhos, para ficar só nas mais recentes e no intervalo de menos de 30 dias?

Rute Agulhas: Estas situações são muito mais frequentes do que possamos imaginar, estimando-se que os comportamentos de bullying e/ou cyberbullying afetem 1 em cada 3 crianças e jovens em idade escolar. É necessário dar maior visibilidade a estas situações, para que se caminhe numa lógica de Tolerância Zero ao Bullying. Mais de 60% das vítimas não conta a ninguém as agressões que vivencia e quando o fazem demoram, em média, 13 meses.

PG: O fator “aluno estrangeiro” colabora para o bullying?

RA: Sim, qualquer característica que se destaque ou que seja diferente de alguma forma (seja a etnia, a nacionalidade, o peso, a altura ou uma deficiência, por exemplo) torna-se mais saliente e aumenta o risco de comportamentos violentos, de exclusão e de rejeição.

PG: No caso da Maria, a agressão foi filmada e nenhum dos “câmeras” ajudou.  Que sociedade criamos nas escolas portuguesas?

RA: O “Efeito espectador” tem sido muito estudado pela Psicologia Social. Estas pessoas, os observadores, ficam apáticos sem ação, e não intervêm. E podem mesmo filmar o que está a acontecer, mas mantendo um comportamento passivo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *