O brasileiro, aposta certeira de Tite para a Seleção após viver momentos irregulares no Barcelona, vem jogando justamente nessa posição de enganche na equipe inglesa, que até adota um esquema com ares argentinos: um 4-3-1-2, o losango no meio-campo.
Foi assim que o Aston Villa goleou o Southampton e o Leeds nos últimos dois jogos da Premier League. Ambos com gols de Coutinho./i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2022/v/q/Vue0DTRXyOzsJJAeOqcw/2022-02-09t214130z-1078248204-up1ei291o94vq-rtrmadp-3-soccer-england-ava-lee-report.jpg)
Gerrard Phillippe Coutinho Aston Villa — Foto: Reuters
Ocupação de espaços e linhas de passe favorecem Coutinho
Coutinho atua na faixa central, entre Ings e Watkins e três meiocampistas, sendo Douglas Luiz o mais próximo da defesa e Ramsey e McGinn acima. A imagem acima mostra um momento no qual o Aston Villa se organiza defensivamente, com os jogadores ocupando faixas iniciais – é o momento no qual é possível ver o esquema.
Losango no meio-campo: Coutinho fica mais próximo dos atacantes e três médios cobrem a defesa — Foto: Reprodução
Quando o Aston Villa tem a bola e constrói jogadas, o papel de Coutinho é claro: ele é um preparador. Ele não recua até a faixa de zagueiros para pensar de trás. Quem faz isso é Douglas Luiz, titular da Seleção Olímpica.
Ele afunda entre os zagueiros e faz a saída de três. Recebe a bola, mapeia o campo e tenta vencer a marcação do adversário. É nessa hora que Ramsey e McGinn se movimentam no espaço entre as linhas, abrindo uma linha de passe. Os dois laterais avançam, e se a jogada estiver por um lado, um dos laterais recua e abre outra linha de passe.
Saída de três com Douglas Luiz mais recuado e Coutinho acima — Foto: Reprodução
Percebeu que Coutinho não foi buscar a bola? Pois é proposital. Gerrard quer que ele receba a bola numa zona mais próxima do gol, com o corpo em diagonal. Sem precisar receber de costas e girar. Assim ele pode armar o time. Nesse momento, os volantes do lado – Ramsey e McGinn – têm um papel fundamental. Eles passam da linha da bola. Criam mais linhas de passe, assim como os laterais, para Coutinho conectar todo o dia.
O passe é uma interação. Coutinho só vai mostrar a visão de jogo se alguém estiver em sua frente para receber. Veja, na imagem, como o time se espalha em campo para tal.
Coutinho recebe a bola de frente para o gol, com muitas opções de passe — Foto: Reprodução
Coutinho não fica restrito a uma faixa. Ele troca de posição com um dos volantes. Quando há essa troca, os conceitos precisam ser seguidos: o jogador com a bola precisa ter linha de passe. Então Coutinho avança para dialogar com Ramsey. McGinn faz o mesmo no outro lado. O jogo é fluído, e mais importante que função ou posição, é o conceito. O comportamento dos jogadores com e sem a bola.
O enganche não é só um jogador de armação. Ele é também um jogador que acelera o jogo. Entra de surpresa na área fazendo gols de média distância, aproveita espaços nas costas dos volantes e troca de posição com atacantes. Foi assim que Coutinho brilhou entre 2016 e 2018 com Tite, acelerando e ocupando espaços que Gabriel Jesus ou Neymar abriam.
Para isso, Coutinho pode cair pelos lados, sempre buscando o espaço entre as linhas. Nesse momento, é fundamental que o time dê apoio e ataque espaços para ele tocar a bola em profundidade. Perceba na imagem que Watkins está distante, mas para auxiliar Coutinho, o lateral direito avança e recebe a bola no espaço, longe do marcador, direto para o cruzamento.
Coutinho cai pelo lado e acelera: passe diferenciado — Foto: Reprodução
Losango no meio-campo foi popular com Luxemburgo na década de 1990
O surgimento do losango no meio-campo é impreciso e cheio de nuances, como toda a história tática do futebol. Há quem defenda que a origem está na Inglaterra de 1966, com Bobby Charlton como enganche. Mas a versão mais aceita é que foram os argentinos os primeiros a pensarem em ocupar o campo com um volante defensivo e meia criativo e habilidoso. Entre eles, dois volantes fazendo o vaivém, o chamado carillero.
No Brasil, o 4-3-1-2 foi o esquema por muito tempo usado por um grande treinador: Vanderlei Luxemburgo.
Vanderlei Luxemburgo e Ronaldo durante a Copa América de 99 — Foto: AFP
O primeiro losango foi o timaço do Corinthians, bi-campeão brasileiro em 1998 e 1999. Ricardinho fazia o mesmo papel de Ramsey no Aston Villa: o carillero que pensava para Marcelinho Carioca livre como enganche, atrás de Luizão e Dinei. No Cruzeiro, Luxa pediu a contratação de Zinho para fazer esse papel e deixar Alex perto do gol, com Wendell e Augusto Recife fazendo o vai e vém e Maldonado pensando de trás.
Luxe levou o losango para a Seleção que venceu a Copa América, com Flávio Conceição mais recuado, Emerson e Zé Roberto pelos lados e Rivaldo como enganche. E até para o Real Madrid, onde ousou: Beckham e Zidane eram os meias pelos lados e Raúl ficava solto, atrás de Ronaldo. Zagallo foi outro adepto do losango, na Seleção em 1998 e no Flamengo, em 2001. Luiz Felipe Scolari montou assim o Palmeiras de 1999. E Oswaldo de Oliveira levou o losango para São Paulo e Santos.
Em comum, a presença de um jogador criativo e dinâmico que rende ocupando espaços vazios que o time cria para ele. Um dos motivos de Coutinho não ter ido bem no Barcelona foi justamente ter uma limitação maior de espaço a ocupar, sempre por dentro, entre as linhas. Lá, ele não podia cair pelo lado. Ou inverter de posição com um atacante, como faz no Aston Villa. Isso fazia ele receber menos a bola para decidir.
A boa notícia é que a mesma dinâmica que Coutinho encontra no Aston Villa pode ser reprisada na Seleção Brasileira, e não necessariamente com troca de esquema. Tite já deu mostras que confia no jogador para a Copa. Sorte do Brasil e do futebol inglês, que vê um enganche brilhar com gols e assistências.