‘Trabalhava quase 24 horas e dormia em posto de gasolina’: a rotina de motoristas de app acidentados

Lucimeire, Gilmar e Rodrigo não se conhecem, mas compartilham uma angústia: jornada de trabalho com mais de 12 horas por dia, o desespero da batida do carro e, principalmente, os duros meses, após o acidente, em que as contas não fecham e eles não têm de onde tirar o sustento da família.

Essa é a mesma situação enfrentada por centenas de motoristas de aplicativos que sofrem acidentes durante as corridasEntre as maiores causas, estão as jornadas de trabalho exaustivas desses profissionais, que rodam muitas horas por dia e quase não descansam.

A maior reclamação da classe é o desamparo das plataformas e o baixo valor que ganham nas corridas. Uber e a 99 oferecem seguro a motoristas e passageiros no tempo de corrida ativa, mas cobrem apenas casos de morte, invalidez e despesas hospitalares. Outros danos e prejuízos são responsabilidade dos trabalhadores.

Na terça de carnaval deste ano, Lucimeire Oliveira foi chamada para uma corrida poucos minutos antes do tempo desabar em São Paulo. A chuva chegou quando Meire e o passageiro estavam no carro e, no meio do caminho, uma árvore caiu sobre o capô.

Ela estava para completar um ano como motorista de aplicativo quando isso aconteceu. O seguro não cobria desastres naturais. E os R$ 3 mil que ela fazia por mês com as corridas mal pagavam os gastos com gasolina, manutenção do carro e as contas básicas para sobreviver.

“Mandei o ocorrido para a empresa, ela disse que ia me dar uma resposta sobre o tempo que eu ia ficar parada. E até hoje nada”, conta. Meire não sabe ainda como vai pagar o conserto do carro que está na oficina.

“Não estou trabalhando, não tenho como alugar um carro. Motorista de app trabalha pra sobreviver, não pra juntar dinheiro. Estou sobrevivendo com a rifa que o pessoal do grupo fez pra mim, pra comer, pagar luz, contas”, desabafa.

 

Gilmar: ‘Dormia em posto de gasolina’

 

Gilmar levou mais de seis meses para recuperar prejuízo — Foto: Arquivo pessoal / Gilmar Rabaiolli Franzon

Gilmar levou mais de seis meses para recuperar prejuízo

Gilmar Rabaiolli Franzon é a única pessoa com renda em uma casa de três moradores. O dinheiro vinha das corridas por aplicativo que fazia em Porto Alegre. Quando um carro bateu no seu, em agosto do ano passado, e fugiu sem prestar assistência ou arcar com os gastos, a rotina de sua casa virou de ponta cabeça.

“Fiquei bastante tempo sem trabalhar e receber e não tive resposta do aplicativo. Tive um prejuízo de R$ 3 mil para arrumar o carro mais o tempo parado, foram dois meses sem receber um centavo. Tive que alugar um carro para trabalhar no terceiro mês porque não conseguia arrumar o meu devido a não ter condições”, conta. Com o carro alugado, ele correu atrás do prejuízo do jeito que pôde.

“Trabalhava quase 24 horas por dia, dormia em posto de gasolina e ia em casa só para tomar banho. Essa foi minha rotina até eu conseguir grana pra arrumar o carro.”

 

Gilmar levou mais de seis meses para conseguir se recuperar do baque financeiro e precisou refinanciar o carro para não perdê-lo.

Rodrigo: ‘Tinha que trabalhar 16 horas por dia’

 

Rodrigo teve frente do carro arrebentada por moto enquanto levava uma passageira — Foto: Arquivo pessoal/Rodrigo Schwanck

Rodrigo teve frente do carro arrebentada por moto enquanto levava uma passageiro.

Em fevereiro de 2021, Rodrigo Schwanck estava com uma passageira, parado no sinal. Um entregador de gás furou o vermelho e cruzou a avenida, e arrebentou a frente do carro de Rodrigo. Para restaurar, o orçamento ficou em R$ 15 mil.

A seguradora de Rodrigo opera por meio de uma cooperativa de motoristas. Ela é mais acessível, mas demora um pouco mais para pagar, conta. Separado e tendo que pagar pensão para duas filhas, ele não aguentaria 3 meses sem sustento. Por isso, precisou alugar um carro e viu as dívidas crescerem e as contas atrasarem.

Foi um momento muito difícil, tive até que pedir dinheiro emprestado. Teve gente que viu minha situação e me ajudou. Foram feitos salchipão para vender e uma rifa valendo lavagem e vale combustível para tentar buscar um valor para aquele momento que eu estava passando”, conta.

“Tinha que trabalhar 16 horas por dia, começava às 6h e só parava às 22h. Tive que alugar um carro e pagar R$ 600 por semana, além da parcela de R$ 1.300 do financiamento e o conserto do meu carro. E, pra conseguir rodar, gastava de R$ 900 a R$ 1.100 de gasolina. A conta não fecha.”

Quando começou a trabalhar com aplicativo, ele conseguia fazer um turno de 8 horas de trabalho e ter tempo para as aulas na faculdade de direito. Mesmo formado no fim do ano passado e com uma carga de trabalho duríssima, ele não consegue sair das ruas porque o salário de um emprego formal não paga as dívidas que ainda carrega após o acidente.

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