Palco de escândalo no MEC, FNDE não compensa inflação ao repassar verba de merenda; ‘meu filho volta da escola com fome’, diz mãe

Roselaine da Silva, de 27 anos, está desempregada e é mãe três filhos, que estudam na rede pública de São Paulo. Ela conta que os mais velhos, de 8 e 10 anos, frequentemente chegam com fome da escola porque, apesar de receberem merenda, “lá tem muita criança para pouca comida”, diz.

“Voltam para casa às 18h30, pedindo mais. Não tenho muito o que fazer: peço ajuda para os vizinhos e faço um bolinho de chuva no lugar do jantar. Rezo para o dia seguinte ser melhor”, afirma.

Este tipo de situação pode ser explicado, segundo especialistas, pela crise econômica e pelos baixos valores distribuídos no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

“Com o aumento da pobreza e da inflação, as famílias não estão mais conseguindo comprar comida. E o fato de a inflação não ser considerada [nos cálculos] do PNAE agrava a situação”, afirma Tati Andrade, especialista em saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

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Quem estabelece anualmente quais as quantias transferidas aos estados e municípios é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão que é palco do escândalo que levou à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, investigado por corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência por suposto envolvimento em um esquema na liberação de verbas do MEC.

Neste caso da alimentação escolar, como há um valor fixo pago por estudante matriculado, existe uma menor abertura para lobby e influências políticas na distribuição das verbas, afirma Ursula Peres, professora da EACH/USP e especialista em finanças públicas. As críticas feitas por estudiosos, aqui, são outras: valores defasados e baixo orçamento.

Desde 2010, o governo federal não compensa as perdas da inflação quando repassa os valores do PNAE, mostram estudos publicados em outubro de 2021 pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

Ou seja: os itens da merenda vão ficando cada vez mais caros, mas essa alta não é acompanhada pela verba distribuída para a compra das refeições.

De acordo com a pesquisa – cujos apontamentos foram reforçados pelas instituições neste mês, em uma carta aos pré-candidatos à Presidência -, os valores (por aluno) deveriam ser atualizados da seguinte forma:

  • Creche: de R$ 1,07 para R$ 1,89;
  • Pré-escola: de R$ 0,53 para R$ 0,94;
  • Ensino fundamental e médio: de R$ 0,36 para R$ 0,74.

A ÓAÊ e a Fineduca propõem um reajuste no orçamento de 2023, já que, neste ano, o governo federal e o Congresso Nacional reservaram R$ 3,96 bilhões para o PNAE, parcela ainda menor do que os R$ 4,4 bilhões aprovados em 2021 (valores corrigidos pelo IPCA de janeiro).

Procurados pela reportagem, o MEC e o FNDE não se pronunciaram até a última atualização deste texto.

A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo afirmou que a denúncia de falta de fornecimento de alimentos é “infundada” e que uma nutricionista enviada à escola atestou na quinta-feira que “foi realizado o abastecimento geral de feira, pães, carnes e não perecíveis”. Já a Secretaria Estadual disse que fornece alimentação para 3,5 milhões de estudantes e que, somando o PNAE e os complementos do governo do estado em 2021, R$ 1,03 bilhão foi investido na área.

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