Prefeito que entregou contrato do ônibus, Nelsinho Trad será testemunha de defesa do Consórcio

Marcada para a próxima terça-feira (28), a audiência que dá início ao julgamento que analisa a legalidade da concessão do transporte público de Campo Grande ouvirá cinco testemunhas de acusação e quatro de defesa. Entre as testemunhas indicadas pelo Consórcio Guaicurus está o senador Nelson Trad Filho (PSD), que foi prefeito à época da licitação que deu ao grupo de empresas o direito de faturar até R$ 3,4 bilhões explorando o transporte da cidade durante 20 anos.

A audiência de instrução e julgamento será presidida pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. O julgamento dá início ao desfecho de um processo de investigação iniciado em 2019 pelo  (Ministério Público Estadual) e que chegou ao Judiciário em setembro de 2020, em forma de ação civil pública.

No processo, o Ministério Público elencou uma série de irregularidades identificadas durante a investigação e que, na visão da 30ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, são suficientes para anulação do contrato.

As testemunhas de acusação indicadas pelo MP são: Daniel Carlos Silveira (superintendente da Controladoria Geral da União em MS), Geraldo Antonio Silva de Oliveira (auditor federal de Finanças e Controle), Henrique Gomes da Silva Rezende (auditor federal de Finanças e Controle), Sasha Reck (advogado que delatou ao MP do Paraná direcionamento de licitação ao Consórcio Guaicurus em Campo Grande) e Marcelo Maran (delator que também prestou informações sobre irregularidades na concessão).

Todas as testemunhas de acusação, indicadas pelo MP em outubro do ano passado, foram intimadas a participar da audiência, que será no formato virtual.

Quatro empresas formaram Consórcio Guaicurus, que venceu licitação em outubro de 2012 (Foto: Acervo Assecom, PMCG)

A defesa do Consórcio Guaicurus, por sua vez, indicou outras quatro testemunhas de defesa, ou seja, que apresentarão informações que o grupo de empresas julga como determinantes para provar que não houve irregularidade no processo de licitação.

As testemunhas de acusação indicadas pelo Consórcio e que serão inquiridas pelo juiz são: Marcelo Luiz Bonfim do Amaral (diretor-presidente da Agereg à época da licitação), Bertholdo Figueiró Filho (presidente da comissão de licitação à época), João Rezende Filho (diretor do Consórcio Guaicurus) e, por último, o senador Nelson Trad Filho, prefeito de Campo Grande entre os anos de 2005 e 2012, ou seja, em todo o período em que a licitação de concessão foi elaborada, lançada e vencida pelo Consórcio Guaicurus.

Das quatro testemunhas indicadas pelo grupo de empresas, três já foram intimadas, mas o senador Nelsinho, conforme informou a defesa do Consórcio nesta quinta-feira (23), deverá ser intimado por intimação judicial em razão do mandato de senador.

Nos autos do processo que possui mais de 17,1 mil páginas não consta, até a manhã desta sexta-feira (24), expedição de intimação para o senador.

Licitação vencida por Consórcio no apagar das luzes

Durante o período de investigação do MPMS, que durou quase um ano e foi encerrado em 2020 com oferecimento de ação civil pública ao Judiciário de Mato Grosso do Sul, os promotores identificaram seis grandes pontos que seriam suficientes para apontar a nulidade da concessão.

O processo licitatório se encerrou em outubro de 2012 com a declaração das empresas Viação Cidade Morena, São Francisco, Jaguar Transportes Urbanos e Viação Campo Grande, que formaram o Consórcio Guaicurus como vencedor. O fim do processo se deu pouco mais de dois meses antes do fim do mandato de Nelsinho Trad como prefeito de Campo Grande.

Confira os 6 pontos de irregularidades identificados pelo MPMS:

  • apresentação de garantia de proposta das empresas concorrentes antes da sessão pública de abertura dos envelopes com as propostas;
  • determinação do município de que empresa vencedora pagasse R$ 5,5 milhões ao município em 180 dias;
  • ausência de justificativa técnica da empresa vencedora sobre exigências de frota e serviço;
  • modelo da licitação no formato melhor técnica e  que reduziu a competitividade do certame;
  • ausência de parecer técnico que justificasse a composição do valor da outorga estabelecido em 70% “técnica” e 30% “preço”
  • irregularidade do município em cobrar R$ 3 mil das empresas concorrentes para retirar cópia de documentação física referente ao edital de concorrência.

O contrato da concessão, assinado em 25 de outubro de 2012, tem como partes o então prefeito Nelson Trad, o diretor da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Rudel Trindade, e o então diretor da Agereg, Marcelo Luiz Bonfim do Amaral e Nelson Guenshi Asato, empresário representante das quatro empresas de transporte que formaram o Consórcio Guaicurus.

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Fonte: Contrato Consórcio Guaicurus

Prefeito se livrou de figurar como réu em ação, diferente de investigação da concessão do lixo

A ação civil pública apresentada pelo MP tem como réu apenas prefeitura de Campo Grande, ou seja, mesmo prefeito à época, o então prefeito Nelson Trad Filho escapou de figurar como réu na ação.

Situação oposta ao que ocorreu em outra investigação que teve como alvo corrupção no contrato de concessão da coleta de lixo em Campo Grande, vencido pela Solurb, também em outubro de 2012, último ano de gestão de Nelson Trad.

Neste processo, Nelson Trad foi condenado em março de 2021 por irregularidade na concessão. O então prefeito e os empresários da Solurb foram condenados a pagar R$ 94 milhões, decisão suspensa após decisão do Tribunal de Justiça em outubro do ano passado. Todos ainda recorrem da decisão, que também determinou anulação do contrato de concessão.

Consórcio e município negam irregularidades

Todas as irregularidades apresentadas pelo MPMS são, ao longo dos anos, rebatidas tanto pela prefeitura de Campo Grande quanto pelo Consórcio Guaicurus. Atualmente, o processo possui 17,1 mil páginas.

Após a definição da data de audiência, a defesa do grupo de empresas tenta, desde o início de junho, postergar a realização do julgamento se opondo ao formato de videoconferência determinado pelo juiz Ariovaldo Corrêa.

Procurados pela reportagem do Jornal Midiamax desde a manhã desta quinta-feira (23), o senador Nelson Trad Filho e a assessoria de imprensa do senador em Brasília e em Campo Grande não se manifestaram a respeito das irregularidades apontadas pelo MPMS até a publicação desta reportagem. Os contatos foram devidamente registrados e o espaço segue aberto para posicionamento.

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