Beyoncé dá uma guinada dançante com o atrevido e festivo ‘Renaissance’; g1 ouviu
Renaissance”, sétimo disco da Beyoncé, é de longe a melhor balada para se frequentar na música pop em 2022. Seis anos após “Lemonade”, a cantora lança um disco festivo, que celebra a música negra dançante, do soul ao afrobeats.
Ela diz que fez as músicas “observando todo o isolamento e a injustiça do ano passado”. O álbum foi anunciado como parte de uma trilogia. Tudo indica que Beyoncé está no felizardo grupo de pessoas que não tiveram bloqueio criativo na pandemia.
O tom político vinha aumentando nos últimos trabalhos, e até no primeiro single deste álbum, “”Break my soul”. É uma pedrada com base de diva da house dos anos 90 e letra que remete ao fenômeno da “great resignation” – a onda de pessoas que largaram seus empregos após a quarentena.
Mas é um pedido de demissão comemorativo, em que Beyoncé rejeita o trabalho e diz que vai construir uma nova base para ela.
A surpresa é que, no álbum, ela finca essa base na pista de dança e assume o trabalho de comandar uma sequência poderosa de músicas sem respiro entre elas. Se há uma política é a da diversão como resistência.
Beyoncé apresenta capa do álbum ‘Renaissance’ — Foto: Reprodução/Instagram
Não dá para chamar de “escapista” – ao contrário, Beyoncé encara o mundo. “Energy” zoa a derrota de Trump, observa que as mulheres brancas conservadoras estão virando terroristas, mas responde em forma de música pulsante, com produção de Skrillex e ótimo vocal do rapper jamaicano Beam.
Na abertura, em “I’m that girl”, ela encara a contramão dos valores atuais dos EUA (ela se diz “un-American”). Em “Cuff It”, com base disco, ela fala sobre ficar chapada de desejo, brinca com sadomasoquismo e avisa “Você vai levitar e conhecer Deus.”
“Move” é uma afirmação positiva da mulher negra, ao lado da veterana Grace Jones e da revelação nigeriana Tems, com toque bombada música da nova cena eletrônica da Nigéria, o afrobeats.
Os brasileiros vão achar um gosto especial em “America has a problem”. A base é o miami bass, a que teve influência no funk carioca. O vocal debochado e expressivo seria perfeito para qualquer melô dos anos 90.
O título da música aumentou a expectativa de que o álbum tivesse o tal teor político. No fim das contas, ela usa um sample de “Cocaine”, de Kilo Ali. Na faixa original, o “problema da América” é a cocaína. Na nova música, o problema é o excesso de sensualidade de Beyoncé.
Beyoncé lança ‘Break My Soul’, primeiro single do álbum ‘Renaissance’ — Foto: Reprodução/Vogue
A ousadia também está na produção, como em “All up in your mind”, com a base etérea do hyperpop. A faixa tem coautoria e produção de A.G. Cook, referência do maximalismo moderninho.
“Alien superstar” tem sample de “I’m too sexy”, do Right Said Fred. Mas o atrevimento chega ao nível máximo em “Church girl”. Ela mistura um sample do grupo gospel Clark Sisters e uma base de house e de bounce, variação de rap dos sul dos EUA. A letra reflete o encontro de religião e pancadão.
Sobre a base firme da música eletrõnica negra, da house (o bate-cabelo de “Pure/honey”) ao dancehall (“Heated”, hit em potencial com coautoria de Drake), Beyoncé passeia com uma segurança e uma versatilidade vocal impressionantes.
A voz é macia e sensual em “Plastic off the sofa”, um comando grave e desafiador em “Thicke”, uma viagem funkadélica em “Virgo’s groove” e um transe disco em “Summer Renaissance”, que interpola “I feel love”, de Donna Summer. Em outras cantoras seria pretensioso; nela é natural.