Marabutos: conheça os líderes religiosos de Senegal que podem ajudar Mané a jogar a Copa

Após sofrer uma lesão na perna direita durante uma partida do Bayern, Sadio Mané foi convocado para a seleção do Senegal, mas ainda não se juntou aos seus companheiros no Catar. A preocupação com a situação do jogador é grande, e nos momentos de dificuldade, a fé se torna uma aliada.

A senegalesa e secretária-geral da Fifa, Fatma Samoura, disse em entrevista à rádio francesa Europe 1 que conta com a ajuda de marabutos, nome dado a líderes religiosos muçulmanos no Norte da África e na região do deserto do Saara, para que o atacante consiga jogar a Copa do Mundo.

Sadio Mané com o uniforme que Senegal usará na Copa do Mundo — Foto: Sebastian Frej/Getty Images

Sadio Mané com o uniforme que Senegal usará na Copa do Mundo — Foto: Sebastian Frej/Getty Images

Mas, afinal de contas, quem são os marabutos?

 

Marabutos, ou marabus, são uma espécie de sacerdotes muçulmanos, sábios detentores de conhecimentos da ordem espiritual. São eremitas, homem (ou mulher) santo que atua como um intermediário entre Alá, o Deus muçulmano, e os outros praticantes da religião. A definição de marabuto nas línguas berberes, faladas pelos povos no norte do continente africano, significa “santo”, mostrando o caráter divino atribuído a estes sacerdotes.

Marabutos, líderes religiosos no Norte da África — Foto: Amadouibrahim2, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

Marabutos, líderes religiosos no Norte da África — Foto: Amadouibrahim2, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

As práticas de cura dos marabus remetem à medicina tradicional no Senegal, que muitas vezes entra em cena com mais força quando a medicina biomédica, popularizada desde a colonização europeia, não resolve as questões de saúde. Em geral, os dois tipos trabalham em conjunto. Assim, o tratamento com os marabus é uma prática enraizada na cultura senegalesa.

Apesar de serem indivíduos dedicados ao Islã, as vertentes mais ortodoxas da religião não aceitam as práticas marabus, alegando que algumas práticas, como adivinhação e cura, são consideradas pré-islâmicas.

Os marabus são vistos como herdeiros do Baraka, uma espécie de poder divino que aparece na natureza e se manifesta em seres e coisas, portanto são atribuídos poderes espirituais a esses indivíduos, incluindo a cura de doenças e a salvação espiritual. Têm, na sociedade senegalesa, um grande prestígio social.

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Senegal treina no Catar sem o craque Mané

No Senegal, a prática do islamismo está atrelada ao sistema de confrarias religiosas, e os marabus constituem um degrau importante para a ascensão ao poder. Assim como em grande parte dos países, os domínios político e religioso estão bastante interligados.

Há constantemente uma discussão sobre verdadeiros e falsos marabutos. Os considerados verdadeiros são usualmente associados a características como origem africana, conhecimento em medicina tradicional e contato com espíritos – o que torna possível a cura dos pacientes, segundo a crença. Os “falsos” são apontados como charlatões, pessoas que buscam ganhar dinheiro, visto que os verdadeiros não aceitam um pagamento em dinheiro.

Ex-jogador de Senegal explica importância dos marabutos

 

Além disso, a palavra é usada frequentemente de maneira pejorativa. Logo após a divulgação da fala de Samoura, o ex-jogador senegalês Demba Ba foi ás redes sociais para explicar que o termo diz respeito a um líder religioso.

– Apenas para acalmar a futura polêmica, no Senegal, o termo marabuto é também e sobretudo utilizado para nomear um religioso, portanto uma pessoa a quem se pede que faça invocações a Deus a favor de determinada pessoa. Polêmica encerrada – escreveu Demba Ba.

Demba Ba explica o significado do termo marabuto — Foto: Reprodução

Demba Ba explica o significado do termo marabuto — Foto: Reprodução

Preconceito com religiões africanas

 

A prática não é novidade quando o assunto é religiosidade africana. No Brasil, por exemplo, religiões como umbanda e candomblé são alvos constantes de preconceito e violência. Após entrevistarem 255 líderes religiosos pelo país, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e a Casa Ilê Omolum Oxum divulgaram o relatório “Respeite meu terreiro”, que aponta que 91,76% dos entrevistados ouviram relatos de membros que sofreram preconceito por causa da religião.

Para o babalorixá, doutor em Ciências Sociais (PUC-SP) e autor do livro “Apropriação Cultural”, Rodney William, o preconceito com as religiões africanas está diretamente ligado à discriminação racial. Ele destaca que a desqualificação e o preconceito contra essas crenças caracteriza um racismo religioso, por se tratar de perseguição a elementos da cultura negra.

– Essa é uma lógica do colonialismo, que estabelece uma diferença entre o que é bom e o que é ruim, colocando tudo que é bom e positivo do lado branco, do lado hegemônico, e tudo que é ruim e negativo do lado negro. Então esse lado negro, que é geralmente ligado a sombras, obscuridades, também se refere ao povo negro. Ocorre a demonização da cultura e das pessoas negras, e isso é o que tá na base de toda perseguição histórica que o povo negro tem sofrido – disse ao ge.

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