Governo Bolsonaro cava com insistência o papel de pária internacional para o Brasil

Dizer que os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips agravam o isolamento do Brasil no cenário internacional é pura redundância. Há três anos, o governo Bolsonaro vem cavando insistentemente o papel de pária para o país, pela forma como capitaneia os recordes do desmatamento da Amazônia e o descaso com a população indígena.

O tom dos editoriais publicados nos principais veículos de imprensa estrangeira evidenciou a má condução do governo no desaparecimento do indigenista e do jornalista britânico e reforçou a tragédia como anunciada. A Amazônia é retratada, sem surpresas, como terra sem lei e o governo, como patrocinador desse status, ao executar cortes orçamentários para as agências de fiscalização ambiental.

O francês “Le Monde”, por exemplo, denunciou a visão desenvolvimentista do presidente brasileiro, apontado como autor de decisões que abrem espaço para a criminalidade, e sua prioridade na extração de riquezas em detrimento da preservação de florestas. O “Financial Times” destacou a retórica de Bolsonaro em apoio a garimpeiros e madeireiros ilegais, interpretada “como sinal verde para arrasar a floresta tropical”.

Bruno Pereira e Dom Phillips: duas vidas dedicadas à defesa da natureza

O Brasil não se isolou por acaso. Desde o início do governo, o desmatamento e as queimadas passaram a ser foco de tensões com líderes internacionais. O maior embate foi com o presidente Emmanuel Macron, que denunciou os incêndios e forçou que o tema fosse abordado em uma reunião do G-7. Bolsonaro revidou, desviando o assunto: comparou as primeiras-damas Brigitte e Michelle e sugeriu que o francês tinha inveja dele.

O Inpe registrou em um ano o aumento de 40% na perda da cobertura vegetal e levou Alemanha e Noruega a cancelarem, em 2019, os repasses ao Fundo Amazônia. Bolsonaro disse que a então chanceler Angela Merkel deveria usar o dinheiro bloqueado para reflorestar o próprio país. Em 2020, as queimadas serviram também de pretexto para sepultar o acordo entre Mercosul e União Europeia.

Em seus discursos na Assembleia Geral da ONU, o presidente brasileiro acirrou a desconfiança em relação ao país, ao apresentar dados que contradiziam as agências e os órgãos de fiscalização. Na sua estreia no púlpito das Nações Unidas, em 2019, acusou o respeitado cacique Raoni de ser usado como peça de manobra por governos estrangeiros.

Num encontro com garimpeiros em Serra Pelada, Bolsonaro foi mais direto ao discorrer sobre os interesses externos na Amazônia e o papel dos indígenas na preservação da floresta. “O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore. É no minério. E o Raoni fala pela aldeia dele, fala como cidadão. Não fala por todos os índios, não… que é outro que vive tomando champanhe em outros países por aí, o tal de Raoni aí.”

Não surpreenderam as declarações do presidente diante do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips. Enquanto a ONU e outras entidades criticavam a lentidão do governo nas buscas, ele responsabilizava a dupla pela aventura não recomendada na floresta.

Ambos embarcaram rumo à reserva do Vale do Javari, dedicados, cada um à sua maneira, a denunciar as mazelas da floresta e a lutar pela preservação dos povos isolados. As alegações do presidente soaram ofensivas.

“Esta é uma tática comum na guerra pela natureza. Aqueles que impulsionam a agenda extrativista frequentemente banalizam ou criminalizam os defensores da terra. Eles tentam alegar que protestos e denúncias são isolados e irracionais, em vez de enfrentar problemas estruturais em escala global”, resumiu Jonathan Watts, editor de Meio Ambiente do “Guardian” e ex-correspondente do jornal britânico no Brasil.

Bolsonaro sugeriu que Phillips era malvisto na região. O jornalista, no entanto, foi alvo, em 2019, da retórica agressiva do presidente ao questioná-lo, durante uma coletiva, sobre o desmatamento. “Primeiro, você tem que entender que a Amazônia é do Brasil e não é de vocês.”

Não é por falta de coerência, portanto, que o governo buscou e continua a buscar o isolamento e o descrédito na questão ambiental. No que diz respeito à preservação ambiental, tem sido, desde o início, fiel a seus princípios.

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