Cafezinho em perigo: empreendedores ‘seguram’ disparada de preços para não perder clientes, mas fôlego pode acabar
Em um espaço de 2 metros quadrados, em São Paulo, um pequeno negócio tem como carro-chefe o café expresso. A dificuldade dele é a mesma de muitas padarias, bares, cafeterias e restaurantes do país: o valor do café moído, o atual vilão da inflação.
Flavia Pogliani, dona dessa pequena cafeteria paulistana, a The Little Coffee Shop, segurou o aumento dos preços até agora, mas diz que não consegue mais. Até porque, além do café, outros insumos também ficaram mais caros.
Nos 12 meses até janeiro, o café moído já subiu 56,87%, segundo dados divulgados na última quarta-feira (9) pelo IBGE. É a maior alta para o período entre os produtos pesquisados pelo instituto. Só em janeiro, a alta foi de 4,75%.
Já o cafezinho, como o vendido por Flavia, subiu bem menos: 6,67% nos últimos 12 meses. A razão desta diferença está no próprio esforço dos comerciantes em não repassar integralmente o aumento.
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No próximo mês, o café expresso da The Little Coffee Shop vai passar de R$ 4,50 para R$ 4,75. O blend de café em pó especial, vendido em embalagem de 250 gramas, também vai subir, de R$ 28,50 para R$ 29,50. Mas esse aumento não significa o repasse total da alta no custo da Flavia.
“Ao mesmo tempo que os preços estão subindo, a renda das pessoas está diminuindo. Tem um sentido lógico repassar esse custo, mas tem um risco de perder cliente. Eu acabo diminuindo a minha margem para ganhar no giro, usando o preço como um atrativo. O mais importante pro meu negócio agora é conseguir passar por essa fase, não é ter alta lucratividade”, explica.
A empresária diz que, mesmo aumentando o valor do expresso, quer continuar vendendo a bebida por menos de R$ 5.
“A minha margem vai ficar horrível pro expresso, que é o que mais vendo, mas vou tentar compensar em giro, porque tou olhando minha concorrência e já tá todo mundo vendendo por R$ 6”, afirma Flavia.
Vânia Francato (à esquerda) junto à equipe do Jardim Café e Bistrô, em Brasília (DF) — Foto: Divulgação
Vânia Francato vive o mesmo aperto de Flavia, mas a aproximadamente 1.000 km de distância, no Jardim Café e Bistrô, em Brasília (DF).
Segundo a empreendedora, no final do ano passado o café especial utilizado pelo estabelecimento passou de R$ 55 para R$ 63 o quilo. Sem condições de absorver integralmente o aumento, ela ajustou o preço do expresso: de R$ 6 para R$ 6,50.
No mês passado, contudo, houve um novo aumento do café para R$ 69 o quilo. Desde junho, Vânia calcula que o produto registrou alta de 22%. A estratégia, então, foi reduzir os gastos para evitar novos repasses.
“O cliente não tem como dar conta desses aumentos. Decidi tirar o biscoitinho que acompanhava o café enquanto as coisas não melhorarem”, explicou ela.
Na avaliação de Paulo Menegueli, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), repassar a alta do café aos clientes nem sempre é uma boa ideia: “qualquer aumento é sentido pelo cliente”, disse ele, que atua no setor desde a década de 1970.
Dono da padaria industrial Panes Pam, em Vitória (ES), ele afirma que adaptar custos, mix de produtos e cardápio é a melhor solução para enfrentar a inflação sem prejudicar o relacionamento com os clientes. Em sua fábrica, cuja produção é destinada a escolas, hospitais e presídios, o café é oferecido aos clientes como cortesia.
Paulo Menegueli (à esquerda), presidente da ABIP, e o padeiro Waldir — Foto: Arquivo pessoal
“Os consumidores não estão tendo aumento de salário e estão sendo pressionados pelo aumento de gastos. Se o empresário oferecer um mix maior de produtos para que o cliente faça uma compra de emergência, por exemplo, ele compensa o que perdeu no café”, afirmou Menegueli.
Também donos de uma padaria, a Pão & Cia, em Araçatuba, interior de São Paulo, Vera e Carlos Machado só repassaram o aumento no café moído para o cliente depois da terceira alta no valor, em dezembro.
Donos da padaria Pão & Cia, no interior de São Paulo, não repassam todos os aumentos para os clientes — Foto: Arquivo pessoal
Na padaria, eles servem café coado e adoçado – o valor passou de R$ 2 para R$ 2,50. O aumento de outros insumos, como o açúcar, por exemplo, também impacta diretamente o negócio. Segundo eles, com tantos aumentos, está cada vez mais difícil lucrar.
“A gente só tem perdido margem de lucro, porque não conseguimos repassar todos os aumentos pro cliente. A gente tá perdendo o fôlego pra segurar o negócio”, explica Vera.
Apesar do cenário retratado pelos comerciantes, de acordo com a ABIP, o setor de panificação e confeitaria superou a crise provocada pela pandemia da Covid-19 e registrou faturamento de R$ 105 bilhões em 2021, uma alta de 15% em relação a 2020.