Nasa Park: Tragédia completa um mês com famílias vivendo em meio à lama e mau cheiro

Há exatamente um mês, a vida de famílias de Mato Grosso do Sul tomavam um rumo que elas jamais imaginaram. Nesta sexta-feira (20), completa-se 30 dias do rompimento da barragem do condomínio de luxo Nasa Park, localizado próximo à divisa entre os municípios de Jaraguari e Campo Grande. A água, cerca de 800 milhões de litros, desceu em correnteza por 9 km.

Até hoje, famílias que foram diretamente prejudicadas pelo rompimento da barragem afirmam que suas casas permanecem cercadas pela lama e mau cheiro.

Uma dessas famílias é a de Gabrielle do Prado, que reside no lado de Jaraguari. “Não houve apoio de ninguém até agora. Minha mãe ainda está só com algumas peças de roupa que ganhou de doação”, disse ao lembrar que nenhuma autoridade realizou trabalho que realmente mudasse algo na realidade delas.

Além da falta de bens de uso pessoal, a casa de Gabrielle e da mãe continuam tomadas pela lama. “Está um odor insuportável”, destacou. Sem recursos, já que a família perdeu as plantações e animais que eram suas únicas fontes de renda, agora, vive da contribuição de pessoas que se solidarizam com os moradores.

 

A família de Thiago Lopes também foi diretamente afetada. No dia do rompimento, o nível da água cobriu a casa dele. Segundo ele, nenhuma autoridade fez algo para melhorar as condições de moradia no local.

“A nossa casa que foi atingida não está sendo usada desde o dia do ocorrido, porque não tem como usar. Inclusive, aquele barro que acumulou, a matéria orgânica está entrando em decomposição e está ficando um cheiro forte”, explicou.

No momento, a família se concentra na casa do pai de Thiago, que fica um pouco acima da casa que foi atingida.

lama
Entulho e lama foram arrastados por enxurrada (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Reunião sem desfecho no MPMS

Segundos os família atingidas, nesta quarta-feira (18), houve uma reunião no MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), juntamente com representantes do Nasa Park e as famílias. Conforme os relatos, nada concreto foi definido na reunião.

“Só foram falar para a gente que tem que entrar na justiça, né, porque do Nasa foi apreendido algum valor, e em conta mesmo eles não tem quase nada de dinheiro. Aí eles falaram que a gente que tem que entrar com uma ação e que não vai ser da noite pro dia, ou seja, continua pior do que tava, porque cada dia vai piorando, né”, relatou Gabrielle.

Advogado que representa algumas famílias explicou que agora eles devem aguardar uma nova reunião, ainda sem data marcada. Agora, está na fase de levantamento dos danos e diligências.

A reportagem acionou o MPMS para posicionamento sobre a reunião, mas não houve resposta até a publicação. O espaço permanece aberto para acréscimo de informação.

Balanço geral dos estragos

De acordo com um levantamento da Defesa Civil, cinco famílias foram diretamente impactadas pelo rompimento da barragem. Com isso, a maioria delas perdeu tudo, já que suas casas e propriedades foram inundadas por uma enxurrada de água.

“Uma família teve a residência destruída, duas parcialmente destruídas pelo mar de lama e outras duas que sofreram parcialmente. A correnteza levou hortas, animais, um carro e uma moto”, disse o capitão da Defesa Civil de MS à época do desastre.

Entre as perdas estavam veículos, documentos, pertences pessoais e até animais de criação, fundamentais tanto para subsistência quanto para venda. Essas famílias dependiam do pequeno pedaço de terra invadido pela água da barragem rompida.

Conforme o Núcleo de Geoprocessamento do MPMS (Ministério Público Estadual), o rompimento da barragem afetou pelo menos 11 propriedades, contando com as que foram menos prejudicadas. Por causa do desastre, o Nasa Park foi autuado em R$ 800 mil, sendo R$ 750 mil de multa para o empreendimento e R$ 50 mil direto ao proprietário.

Pai de Gabrielle procura por animais sobreviventes (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Barragem ficou 26 anos sem manutenção

Construída em 1998, a barragem do loteamento de luxo Nasa Park não passou por nenhuma manutenção técnica em 26 anos.

A falta de manutenções legais na barragem é confirmada pelo CREA-MS (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso do Sul), que não encontrou nenhuma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) expedida para manutenção por lá em 26 anos. O único registro do CREA-MS é de construção da barragem, em 1998.

O CREA-MS aguarda perícia para saber se foi feita alguma manutenção sem comunicação oficial ao conselho. Caso fique provado que houve manutenções sem expedição de ART, os profissionais responsáveis por esses trabalhos podem ser multados pelo CREA.

Para a instituição, acredita-se que o problema que causou o rompimento da barragem, não tenha sido na execução do projeto inicial, mas sim, gerado pela falta de manutenção. Aliado a isso, o CREA-MS destaca que o uso da barragem era intensivo. Houve, ainda, a construção de muitas casas ao redor, que contribuem para gerar atrito no solo, no ambiente em si.

Imasul diz que lago era irregular

A reportagem tentou obter informações atualizadas juntamente ao Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), para acompanhar o que o órgão está fazendo em relação ao ocorrido. Entretanto, não conseguimos um retorno até a publicação. O espaço está aberto para acréscimo de informação.

O que se sabe é que a barragem do lago construído no loteamento de luxo Nasa Park seria irregular. Segundo instituto, a estrutura nunca recebeu autorização do Imasul para construção e nem certificado ambiental. Além disso, o empreendimento recebe notificações desde 2019 sobre a necessidade de regularizar a barragem, o que nunca foi feito.

A informação é do Imasul, que explica que a barragem do Nasa Park foi vistoriada pelo órgão em 2019, com a presença do proprietário, e recebeu classificação ‘Alta’ para riscos e danos. Na prática, a classificação significa que a barragem apresentava fissuras e necessidade de melhorias e, caso rompesse, provocaria muitos danos.

Apesar da afirmação sobre não haver autorização inicial, documento obtido pela reportagem revela que o Imasul aprovou a construção da barragem, bem como emitiu licença de operação ao empreendimento.

Diante dessas informações, por ser o órgão responsável pelo licenciamento, as irregularidades encontradas no represamento do córrego – que formam o lago artificial – seriam de competência do Imasul.

Multa de R$ 2 milhões

Três dias após o rompimento, o Imasul divulgou que multou os proprietários da represa do loteamento Nasa Park em R$ 2,05 milhões. Ainda conforme nota divulgada, a multa foi aplicada devido a diversas infrações, que resultaram no rompimento da barragem, o que causou um desastre ambiental na região.

Além disso, em decorrência das irregularidades constatadas, a empresa responsável foi autuada em R$ 100 mil. Isso, por violar as normas ambientais estabelecidas pelo Decreto Federal n.º 6.514/2008, que trata das infrações e sanções administrativas ao meio ambiente

Assim, o Imasul notificou a empresa para regularizar o licenciamento ambiental dos loteamentos Nasa Park I e II. Também deverá suspender as atividades até a obtenção de uma nova Licença de Operação.

Ibama já havia multado o Nasa Park

A empresa A&A Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda – proprietária dos loteamentos Nasa Park I e II –, havia sido multada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) por irregularidades ambientais. Em 2008, o Ibama aplicou multa de R$ 160 mil em nome do proprietário, Alexandre Alves de Abreu.

A infração constatada pelos técnicos foi: “Ocupar irregularmente área de preservação permanente no Loteamento Nasa Park I e descaracterizar e danificar área de preservação permanente no Loteamento Nasa Park II, através de raleamento de vegetação ciliar e não adoção de técnicas de contenção de processos erosivos, em uma área total de 8,0 ha”.

Então, o processo tramitou internamente no órgão até maio de 2019, quando acabou sendo remetido à Justiça Federal. Sem o pagamento da infração, tornou-se execução fiscal, no valor atualizado de R$ 111.803,00.

Lago artificial foi construído em área de preservação

Relatório de fiscalização ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) aponta que lago artificial no loteamento Nasa Park que teve barragem rompida na manhã de terça-feira (20) foi construído em APP (Área de Preservação Permanente).

Conforme noticiado pelo Jornal Midiamax, em 2008, o Ibama aplicou multa de R$ 160 mil após flagrar as irregularidades de ocupação em área de preservação e processos erosivos.

À reportagem, o Ibama informou que a conclusão da fiscalização é que “o dano ambiental não foi reparado, considerando a área de preservação permanente ocupada com o lago artificial e construções, apenas as erosões foram controladas”.

Ainda, conforme o Ibama: “Conclui-se, em síntese, que os processos erosivos foram equacionados, todavia não houve recomposição ou recuperação da vegetação em Área de Preservação Permanente”. Então, a multa não foi paga pelo proprietário responsável e a cobrança foi parar na Justiça.

Prefeitura de Jaraguari afirma prestar assistência social

A reportagem também procurou a prefeitura de Jaraguari para atualizações. Segundo o prefeito, Edson Nogueira, a assistência social está atendendo com o básico, como roupas e alimentos.

“Nós estamos atendendo dessa forma, estamos visitando e falando para eles que o precisarem nós estamos às ordens aqui”, disse.

Edson citou, ainda, a reunião do Ministério Público e que a prefeitura não foi convocada para essa conversa.

Posicionamento anterior da empresa do Nasa Park

Seis dias após o rompimento da barragem em Jaraguari, a A&A Empreendimentos Imobiliários, empresa responsável pela represa do loteamento Nasa Park, emitiu uma nota oficial. No comunicado, a empresa se comprometia a “ressarcir os danos sofridos” pelas famílias que tiveram suas propriedades atingidas pela correnteza decorrente da tragédia ambiental.

Ainda segundo a nota, a empresa realizou o cadastro das famílias, visando o ressarcimento, além de “distribuição de cestas básicas, água mineral e roupas”.

Segundo os moradores, representantes da empresa estiveram nas propriedades alguns dias após o ocorrido, em duas caminhonetes, oferecendo cestas básicas e água mineral como auxílio. No entanto, alguns moradores recusaram a ajuda alegarem que esperariam ajudas de órgãos públicos.

A reportagem procurou a empresa para atualizações sobre esse caso, a fim de verifica se houve algum andamento quanto ao objetivo de ressarcir as famílias afetadas.

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