Localização, preço e indicação de amigos: as preferências do brasileiro ao comprar imóveis
Preocupado com a localização, principalmente de supermercados e farmácias, ele tem o sonho de morar perto do trabalho. É atento ao preço, mas disposto a pagar mais por itens como geração de energia solar, espaços arejados, tecnologia de conectividade e academia. Tudo isso, sendo rápido no gatilho para fechar negócio.
Esse é o “perfil médio” de um comprador de imóveis no Brasil, segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a consultoria Brain, antecipada ao g1. A sondagem acompanhou a jornada de aquisição do setor para os últimos 12 meses.
Casa própria e investimento
A descrição é quase perfeita para definir Cintia Anselmo, de 37 anos, que estuda a compra de seu quinto imóvel. Ela vive em casa própria, em Osasco, na Grande São Paulo, e distribuiu investimentos em quatro cidades do interior ou litoral paulista.
O próximo da lista será adquirido em conjunto com o namorado, na capital, e três fatores chamaram sua atenção: projeto próximo do metrô, com boa estrutura de lazer e itens precisos de segurança.
“A comodidade é fundamental e vai tirar um peso da gasolina no orçamento mensal”, diz ela.
Depois de comprar a casa própria, Cintia Anselmo partiu para o investimento em imóveis — Foto: Arquivo pessoal
Como todos os anteriores, a compra será feita na planta e a renda daqueles que já foram entregues ajuda a pagar as prestações dos mais novos. Para ela, além do conforto da casa própria, os imóveis lhe servirão de renda futura quando quitados, principalmente após a aposentadoria.
“A cultura do brasileiro ainda é de ter um imóvel, de ser proprietário. Não só por ser a moradia, mas por ser, para muita gente, o ativo mais valorizado que a pessoa tem”, afirma Luiz Antonio França, presidente da Abrainc.
Segundo a pesquisa da associação, a moradia própria ainda é o motivador mais relevante para a compra de imóveis, com 70% das respostas dos entrevistados. Em seguida, dividem-se investimento como acumulação de patrimônio (15%) e para locação ou revenda (14%). Apenas 1% declarou que cederia o imóvel para filhos ou parentes.
Entre os modelos de moradia, o apartamento é o preferido, com uma fatia de 47% dos pesquisados. Casas e sobrados somaram 34%, enquanto terrenos em loteamento aberto reúnem 13% das respostas. Imóveis em condomínios fechados terminam a sondagem, sendo 4% de casas e 2% de terrenos.
Sobre a faixa de preço, a média apurada pela pesquisa foi de R$ 256.331,84. Mais de um terço dos imóveis, contudo, tinham valores acima dos R$ 250 mil.
Pesquisa de compra de imóveis — Foto: Arte g1
Mercado em alta
Entre 2020 e 2021, apesar da severa crise econômica causada pela pandemia do coronavírus, o mercado de imóveis viveu um momento extraordinário no país.
Números da própria Abrainc mostram alta de 26% nos lançamentos em 2020. Os números de 2021 ainda estão sendo apurados, mas a janela de janeiro a dezembro é 7,5% maior que a do ano anterior.
Pelo lado dos pagadores, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) registrou dois recordes anuais seguidos de financiamento imobiliário com recursos da poupança, com altas de 58% em 2020 e de 65% em 2021.
A redução expressiva da taxa básica de juros, a Selic, até janeiro de 2021, tornou o crédito mais barato e estimulou a percepção de oportunidade de compra tanto de quem pretendia morar como investir.
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Para França, o ciclo de alta dos juros básicos não deve desestimular o mercado, em especial nas pontas das faixas de renda: o beneficiário de programas sociais, como o Casa Verde Amarela, antigo Minha Casa Minha Vida, tem juros subsidiados, enquanto a alta renda é menos sensível ao crédito mais caro.
Na sondagem da própria Abrainc, cerca de 35% dos compradores de imóvel desistiria de fazer a aquisição se o juro subisse 1,5 ponto percentual. “Quando o juro sobe, é a faixa do meio que acaba deixando de lado o ‘imóvel de desejo’ e vai para um menor ou de diferente localização”, diz França.
Acontece que, do início de 2021 para a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em fevereiro, a Selic disparou de 2% para 10,75%.
“O segmento está vendo a situação com cautela. Clientes do Casa Verde Amarela têm renda limitada, então foi preciso agir para facilitar a entrada, dar condições de crédito e outros ‘colchões’ para financiamento”, diz Elaine Belém, diretora comercial da HM Engenharia.
Já os compradores de renda mais alta deixaram de privilegiar o imóvel como investimento, acelerando a procura por casas e apartamentos maiores e que serão usados apenas como “produto final”, para moradia.
De acordo com Antonio Setin, presidente da Setin Incorporadora, o giro da clientela foi tamanho que o estoque montado pela empresa para investidores passou de 60% do portfólio para cerca de 10% depois da pandemia.
“Quem investia em imóveis preferia apartamentos mais compactos, de valor menor, para diversificação. Era vantajoso ter três apartamentos de R$ 300 mil em vez de um que custe R$ 1 milhão. Hoje, acontece o inverso”, diz Setin.
O empresário explica que o valor médio das vendas da empresa subiu de R$ 600 mil para R$ 1 milhão no último ano, pois os juros mais altos levam o investidor para outros ativos. Os apartamentos menores também perderam força na pandemia pois o comprador passou a procurar espaços maiores.
Como o g1 mostrou em julho de 2020, as plataformas de aluguel de imóveis já registravam uma demanda maior nesse sentido durante os meses de isolamento social mais intenso, com preferências para vista desimpedida e espaço para trabalhar de casa.
Mesmo a Vitacon, empresa que se tornou referência em apartamentos compactos, usou essa mudança de comportamento do consumidor para adaptar o negócio. A depender da região e depois de rodar pesquisas para entender a preferência do público, a empresa passou a “esticar” a metragem de seus apartamentos e investir mais em infraestrutura do condomínio.
“Nós intensificamos a oferta de apartamentos maiores e ampliamos áreas de coworking, academias e lavanderias para atender ao desejo de moradia do cliente”, conta Ariel Frankel, CEO da Vitacon.
“É uma busca por equilíbrio em um mercado mais desafiador”, diz.
Ainda que as condições de juros estejam mais apertadas para 2022, o executivo projeta crescimento de 20% para a empresa, apostando justamente na equação equilibrada entre entender os anseios do consumidor e extrair o valor dentro das possibilidades financeiras do público-alvo.
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Espaço para o digital
A pesquisa da Abrainc mostra ainda que o comprador de imóvel é bastante conservador a respeito de fechar negócio por meio digital. Apenas 6% dos entrevistados concluíram a compra pela internet.
Em contraste, as imobiliárias representam 50% dos negócios. Plantões de venda, outros 25%.
O único uso consagrado das plataformas digitais é a pesquisa por imóveis, com 29%. Dali em diante, o processo volta a ser analógico, com visitas presenciais e negociações em pessoa.
“Não dá para escapar do atendimento humanizado na ponta. No interior, o investidor mal acessa o mercado de capitais, ele procura oportunidade direto na imobiliária”, diz Jardel Cardoso, VP de relações institucionais da Loft.
O executivo explica que o desafio para empresas de tecnologia para imóveis, portanto, é desburocratizar o processo e auxiliar os profissionais que fecham o negócio.
A Loft, conhecida pela aquisição, reforma e revenda de imóveis pela plataforma digital, abriu braços também para o mercado de financiamento e firmou parcerias com 20 mil imobiliárias para ganhar mercado.
“Existe um caminho longo entre o ‘status’ que estamos hoje no Brasil e um grau de burocracia que simplifique operações online”, diz.
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Novos negócios
Na esteira de investidores, há também o movimento de entrada de gestoras de ativos que iniciam a formatação de fundos imobiliários residenciais.
No Brasil, esse modelo é raridade. Os fundos imobiliários mais populares reúnem imóveis de shoppings centers, galpões logísticos, prédios de escritórios ou apostam no pagamento de crédito imobiliário.
O forte atrativo é que a compra de cotas desses grandes empreendimentos remunera proporcionalmente o investidor com dividendos mensais, modelo exato de quem compra um imóvel para viver da renda passiva do aluguel.
A modalidade de investimento atraiu muito público nos últimos cinco anos, passando de 100 mil para 1,5 milhão de investidores. Os primeiros fundos residenciais são a aposta de que prédios inteiros ou um grupo de imóveis bem localizados também podem ser rentáveis.
A gestora Navi estreou em setembro um fundo imobiliário que investe uma parte em crédito imobiliário e outra em apartamentos para hospedagem curta pela plataforma Casai.
“É um modelo consagrado nos Estados Unidos e com espaço de crescimento em cidades como São Paulo. O modelo de estadia curta é mais rentável, por isso começamos por ele”, diz Luis Stacchini, chefe de investimentos da Navi.
Os próximos passos do fundo terão foco em ampliar o portfólio de imóveis nas áreas mais concorridas de São Paulo, mas a Navi não descarta partir para o modelo de apartamentos para aluguel quando sentir um “esgotamento” das opções de hospedagem.
Em outro modelo que ganhou tração nos últimos anos está a destinação de parte dos imóveis construídos diretamente para aluguel residencial. A gestão dos locatários, assim, fica com a própria empresa.
A Sequoia Properties aposta desde 2015 nessa alternativa de diversificação de receita, mas a ideia é triplicar o número de unidades entre 2021 e 2023. No ano passado eram 70 e, no ano que vem, passam de 250.
Segundo Joaquim Rocha Azevedo, CEO da Sequoia, os projetos destinados para locação têm características próprias. São imóveis menores, com app para celular para contratação de serviços e resolução de problemas do dia a dia.
Até mesmo a entrada é separada das torres destinadas para a venda, para que imóveis vazios possam ser locados por temporada nas plataformas digitais, como Airbnb.
“Nosso papel foi profissionalizar a relação com o locatário, em especial nessa fase da vida entre a saída da faculdade, estabilização profissional e construção de algum patrimônio”, conta Azevedo.